Conceitos

EU RASURADO – Oposto ao conceito do Eu Soberano da psicanalista Elizabeth Roudinesco refere-se à subjetividade negra apagada pela estrutura colonial. O eu rasurado não é apenas excluído simbolicamente, mas se torna um resto excessivo, uma identidade negada e ao mesmo tempo presente como angústia inquietante para o Outro branco. Esse conceito se opõe à ideia de um sujeito negro passivo, reivindicando uma posição de insurgência e criação.

ESCUTA PERIPHÉRICA – Uma escuta psicanalítica que rompe com a neutralidade e a assepsia da clínica tradicional, reconhecendo que a subjetividade periférica é atravessada por estruturas de opressão, principalmente, racial, de classe e de gênero. A escuta periphérica não apenas acolhe essas experiências, mas legitima suas narrativas, questionando a lógica eurocêntrica da psicanálise tradicional.

ESCUTA BANCÁRIA – Representa uma forma de escuta psicanalítica que apenas mantém o status quo, sem questionar as estruturas sociais que produzem sofrimento psíquico que comparece na clínica. Esse tipo de escuta é alinhado à lógica da psicanálise normativa, que desconsidera os impactos do racismo estrutural e busca a adaptação do sujeito à ordem vigente.

ESCUTA ADESTRADA – Refere-se a uma prática psicanalítica que repete mecanicamente os conceitos freudianos e lacanianos, sem considerá-los à luz da experiência periférica em contextos brasileiros. É uma escuta que não permite novas articulações, operando dentro de uma rigidez teórica que perpetua a alienação.

TRAUMA DESTRUINTE – Diferente da concepção freudiana de trauma, que pode ser elaborado e simbolizado, o trauma destruinte é um trauma estrutural, incessantemente reinscrito no Real, especialmente no corpo periférico. Ele não se resolve na clínica individual, pois é sustentado por uma sociedade racista, sendo sua única possibilidade de cessação a destruição da estrutura que o impõe.

GOZO EXTERMINADOR – Relacionado à ideia de necropolítica e gozo colonial, refere-se ao prazer inconsciente da branquitude na manutenção da violência contra corpos periféricos. Esse conceito propõe que o racismo enquanto significante não é apenas um mecanismo de opressão, mas um sistema pulsional que sustenta a ordem social por meio da eliminação e do sofrimento negro.

NEGRO CRIATIVO – Em oposição ao negro revoltado, que se mantém aprisionado na lógica da resposta ao racismo cooptado pelo fascismo, o negro criativo reorganiza o ódio e o transforma em potência de criação. Esse conceito propõe que a subjetividade empretecida não pode apenas resistir, mas precisa reconstruir e inventar novas formas de existir.

DORIDADE – Uma forma de nomear a dor específica das experiências negras e periféricas, que não pode ser reduzida a uma dor universal. A doridade reconhece que o sofrimento preto tem um caráter estrutural e histórico, sendo necessário criar categorias próprias para nomeá-lo e compreendê-lo.

PENSO COM O CU – Uma crítica à racionalidade cartesiana e eurocêntrica, que posiciona o pensamento no cérebro e ignora a materialidade do corpo negro. Esse conceito propõe uma forma de saber não hierárquica, visceral e rizomática, que emerge da experiência encarnada, recusando a assepsia do pensamento branco.

NU CU – O AVESSO DO REAL – Uma radicalização da ideia anterior, onde o cu se torna um símbolo de subversão contra o pensamento higienista e colonial. Aqui, defendemos a criação de uma linguagem periférica própria, que não tente se encaixar nos códigos da branquitude, mas construa novas formas de existência e saber.

NEGROS DISTRAÍDOS – Indivíduos negros que, por falta de letramento racial, não reconhecem a estrutura colonial que os oprime e, muitas vezes, colaboram inconscientemente com a manutenção do racismo sistêmico. Esse conceito propõe que a luta antirracista passa pelo despertar da consciência sobre as tecnologias de apagamento da negritude.

GOZO DO BRANCO – Inspirado nas leituras de Lacan sobre segregação, propõe que a branquitude constrói sua identidade por meio da exclusão periférica, garantindo seu gozo na manutenção dessa hierarquia racial. Aqui, o conceito de fraternidade que sustenta o gozo branco é desmontado como um mecanismo de exclusão, pois a união dos iguais se dá à custa do extermínio dos diferentes.

EXCREÇÃO EPISTÊMICA – Refere-se ao processo pelo qual o saber periférico é sistematicamente expulso dos espaços acadêmicos e intelectuais, sendo tratado como algo abjeto, indesejável ou ilegítimo dentro do discurso dominante. Esse conceito denuncia a violência epistêmica que relega as produções negras ao esquecimento ou ao desdém.

As bases do inconsciente colonial

Ronald Lopes
Coletivo de Pesquisa Ativista Psicanálise, Educação e Cultura
https://orcid.org/0000-0002-5302-5215

Jairo Carioca
Coletivo de Pesquisa Ativista Psicanálise, Educação e Cultura
https://orcid.org/0000-0003-0360-5884

DOI: https://doi.org/10.59927/sig.v14i1.125

RESUMO

Este artigo examina o inconsciente colonial como estruturante das relações de poder e subjetividades na modernidade ocidental e colonial. Com foco nas dinâmicas de gênero e raça, a pesquisa investiga como o racismo antinegro e a exploração de corpos colonizados se imbricam com as hierarquias patriarcais, perpetuando desigualdades. A partir da psicanálise, principalmente das teorias de Freud e Lacan, e das contribuições de autores como Glória Anzaldúa e Suely Rolnik, o estudo analisa a reprodução de mitos culturais coloniais que reforçam o assujeitamento feminino e racial. A metodologia inclui revisão bibliográfica de textos psicanalíticos e históricos, além de uma análise crítica das interseções entre sexualidade, poder e colonialidade. Os resultados indicam que o inconsciente colonial é central na manutenção de sistemas de dominação, especialmente ao estruturar subjetividades através do controle dos corpos e afetos colonizados. A conclusão reforça a importância de uma psicanálise sensível às questões de raça e gênero, capaz de enfrentar as consequências psíquicas do colonialismo.

Travessia – da escuta adestrada ao psicanalista periphérico: Quando a centralidade vira margem

Ronald Lopes
Coletivo de Pesquisa Ativista Psicanálise, Educação e Cultura
https://orcid.org/0000-0002-5302-5215

Jairo Carioca
Coletivo de Pesquisa Ativista Psicanálise, Educação e Cultura
https://orcid.org/0000-0003-0360-5884

DOI: https://doi.org/10.71101/rtp.57.945

RESUMO

O texto explora como a psicanálise pode romper com paradigmas hegemônicos para se enraizar em contextos periféricos. A partir da interseção entre psicanálise, racismo estrutural, capitalismo e patriarcado, o texto posiciona a periferia como um espaço de resistência cultural e produção subjetiva. Com contribuições de Lélia Gonzalez, a análise conecta a “amefricanidade” às noções de sinthoma e lalangue em Lacan, propondo uma escuta que valoriza as narrativas marginalizadas e desafia estruturas opressoras. O psicanalista periférico é apresentado como agente de transformação social e subjetiva, capaz de amplificar vozes e experiências das margens. Essa abordagem subverte a lógica colonial, propondo uma psicanálise que ressignifica o sofrimento como potência de resistência e reinvenção.

A interposição do patriarcado no real do feminino: por um empretecimento psicanalítico

Ronald Lopes
Coletivo de Pesquisa Ativista Psicanálise, Educação e Cultura
https://orcid.org/0000-0002-5302-5215

Jairo Carioca de Oliveira
UFRRJ  e Coletivo de Pesquisa Ativista Psicanálise, Educação e Cultura
https://orcid.org/0000-0003-0360-5884

DOI: https://doi.org/10.31683/stylus.v1i49.1136

RESUMO

O texto explora a relação entre psicanálise, feminismo e questões socioculturais contemporâneas no Brasil, destacando a influência do patriarcado e do falocentrismo nas mulheres e na dinâmica social mais ampla. O objetivo é demonstrar que o falocentrismo, uma estrutura patriarcal que coloca o falo como símbolo central de poder e identidade, continua a moldar e a limitar as experiências e a subjetividade das mulheres. Apesar das inovações propostas por Lacan, como a noção de Sinthoma, o texto argumenta que a psicanálise enfrenta dificuldades em compreender e abordar as complexidades das dinâmicas sociais contemporâneas. No Brasil, o fundamentalismo religioso e o neoliberalismo exacerbam a violência contra as mulheres e sua internalização como uma característica inevitável da vida feminina. A necessidade de escutas que articulem o Sinthoma com a periferia, o que podemos chamar de “escutas periphéricas”, que valorizem as experiências marginalizadas, é destacada como um caminho para redefinir e desconstruir a função paterna tradicional e oferecer novas formas de suporte. O texto critica a psicanálise por sua aparente falta de capacidade para ouvir e responder às vozes dos marginalizados e defende a necessidade de uma abordagem que vá além dos escritos de Freud e Lacan, sem prescindir deles, integrando a complexidade das experiências sociais e culturais atuais.

Arquétipos religiosos e a gestão da angústia no contexto mariano

Ronald Lopes
Coletivo de Pesquisa Ativista Psicanálise, Educação e Cultura
https://orcid.org/0000-0002-5302-5215

Jairo Carioca de Oliveira
UFRRJ  e Coletivo de Pesquisa Ativista Psicanálise, Educação e Cultura
https://orcid.org/0000-0003-0360-5884

DOI: https://doi.org/10.15603/2176-1078/er.v38n1p137-160

RESUMO

Utilizando a família concebida pela cultura judaico-cristã, o texto mostrou como o patriarcado subjugou a figura do feminino marginalizando as mulheres naquela sociedade. Ao mesmo tempo, discutiu-se a representação religiosa de Maria como arquétipo do feminino que geriu as angústias provocadas pelos colonialismos em sua evolução ao longo da história, principalmente na América Latina, em especial santas pretas no contexto mariano. Ao final, analisamos alguns dados sobre a violência contra a mulher preta e as disparidades de gênero e raça, onde mulheres negras enfrentam riscos significativamente maior de violência em comparação com as mulheres não negras.